Este livro de Giuseppe Vacca não é mais um lançamento convencional no "mercado de ideias". Como o leitor logo vai perceber, existe aqui uma grande audácia teórica e polÃtica: a partir do conceito de reformismo, Vacca nos convida a reconstruir democraticamente as convicções da esquerda, apontando novos modos de conceber a mudança social e por ela lutar.
  O marxismo de Vacca aparece inteiramente recolhido com as formas da democracia polÃtica, que não é nem nunca foi "burguesa". Historicamente, o que ampliou as fronteiras do liberalismo foi a luta mais do que secular dos "grupos subalternos", para usar a linguagem de Gramsci. Vacca argumenta que o papel desses grupos não é se apoderar do Estado e dar a este uma forma ditatorial qualquer, supostamente progressista. Nada de ditadura do proletariado ou de qualquer forma de ditadura. Classes subalternas e Estado democrático de direito devem estar numa relação sem qualquer ambiguidade ou caráter instrumental.
  Diria explicitamente, e mais uma vez apoiado em Gramsci e em Vacca, que não se pode mais pensar em "assaltar" o Estado e usar a máquina estatal para transformar a sociedade de modo autoritário e cesarista. Neste sentido, a Revolução de Outubro, que por tanto tempo nos serviu de modelo, deve ser considerada a última revolução do século XIX. E a "revolução democrática" dos nossos dias – quer dizer, os modos de se desenvolver a luta revolucionária depois do "grande ato metafÃsico" de Outubro – está por ser inventada.
  Há neste livro mais ousadia teórica, que só de passagem posso mencionar. Para Vacca, socialismo e capitalismo, por assimétricos, não são termos antagônicos: o primeiro é um modo de regulação, o segundo um modo de produção. Não vejo nisso nenhum espÃrito de conciliação, mas um convite desafiador a imaginar o conteúdo dessa possÃvel regulação de tipo socialista, indissociável, como é evidente, de lutas e conflitos sociais bastante complexos. A democracia é sempre difÃcil! Tema que é aprofundado, quando Vacca analisa a trajetória da esquerda italiana desde 1989 até o nascimento do Partido Democrático, análise indispensável para compreender a complexidade das questões que esse partido deve equacionar e resolver para retomar a posição hegemônica que, com avanços e tropeços, marcou a presença do PCI na vida polÃtica da Itália depois da Segunda Guerra Mundial.
  Não fico surpreso com a amplitude dessas reflexões. Mais uma vez, é o marxismo polÃtico italiano que nos estimula a renovar nossos caminhos, como tantas vezes já aconteceu. Vacca, mesmo quando aborda questões da atualidade, é um pensador que vem de longe: insere-se criadoramente na tradição de Gramsci, Togliatti e Berlinguer, teóricos e polÃticos que, em diferentes circunstâncias, construÃram pontos de referência fundamentais no combate das ideias entre nós, e até muito além das fronteiras da esquerda.
  No momento da primeira grande crise da globalização – que requer, sobretudo, criatividade e capacidade de autorrenovação –, a contribuição de Vacca reabilita a corrente reformista do socialismo, que, no fundo, pretende interpretar com mais lucidez o movimento real das coisas, e sobre ele agir, rumo a nÃveis sempre mais altos de civilização. Essa também a sua importância para os democratas brasileiros.
  Armênio Guedes
  Presidente de honra da
  Fundação Astrojildo Pereira.
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