A trajetória de Raúl Prebisch preenche completamente o perÃodo histórico que Eric Hobsbawm chamou de "o breve século XX", desde a chegada a Buenos Aires em 1918, no fim da Primeira Guerra Mundial, até a morte em 1986, no ocaso da Guerra Fria. Nesses 66 anos de intensa atividade ele nunca obteve reconhecimento pleno em seu próprio paÃs, mas se tornou uma referência no mundo.
  Foi o latino-americano mais influente na diplomacia internacional de sua época. Sua ação prática está consolidada na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) e na Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), órgãos da ONU, e sua obra teórica permanece surpreendentemente atual. Sem ter sido um acadêmico, formou uma nova geração de pensadores latino-americanos.
  A pesquisa de Edgar J. Dosman sobre sua vida se estende no tempo e no espaço. Combina o retrato de um homem – com suas raÃzes, seu ambiente, seus sonhos e suas contradições – e a história de um século. Começa na Argentina e dá a volta ao mundo.
  Antes de completar quarenta anos, Prebisch já havia ocupado alto cargo no Ministério da Fazenda, participado de duras negociações internacionais, atuado na Liga das Nações, criado e dirigido o Banco Central, sempre movido pela ideia de edificar um Estado moderno a serviço de um projeto nacional. Conhecia as fraquezas de seu paÃs: a economia primário-exportadora, o domÃnio oligárquico, a injustiça social, o atraso institucional. Foi derrotado. Experimentou o ostracismo, enfrentou dificuldades para sobreviver e partiu para um exÃlio que se mostrou muito longo.
  Trabalhando na ONU, amadureceu sua visão sobre o sistema internacional e propôs uma interpretação teórica alternativa à quela que era apresentada pelos paÃses desenvolvidos, pois a vida lhe havia ensinado que a harmonia das trocas mercantis escondia relações desiguais de poder. O sistema-mundo reproduzia e ampliava as distâncias entre os centros industrializados e a enorme periferia produtora de bens primários. Dedicou enorme esforço para mudar esse quadro.
  Não era um revolucionário. A seu ver, a solução teria de ser buscada dentro do sistema, alterando gradativamente a divisão internacional do trabalho, sem rupturas. Isso exigia uma ação estatal eficaz, mas prudente, capaz de produzir mutações sem sufocar a iniciativa privada, sem estabelecer protecionismo excessivo, sem proteger a ineficiência e sem fazer concessões à inflação. Defendeu uma criteriosa combinação, caso a caso, de substituição de importações e promoção de exportações. Foi um crÃtico do populismo e do socialismo de tipo soviético: "Deve haver um equilÃbrio razoável entre o papel do Estado e a atuação de interesses individuais na vida econômica."
  Essa combinação de ousadia e cautela na promoção de reformas foi a marca registra de Prebisch, que sempre se equilibrou na complexa polÃtica internacional de seu tempo, desagradando radicais de todos os lados. Terminou a vida reconhecido como um dos grandes estadistas do século. Recebe agora, graças a Edgar J. Dosman, uma biografia à altura, escolhida como um dos livros do ano por The Economist.
            César Benjamin
"Dizer que a apresentação de Prebisch em Havana [em 1949] eletrizou a plateia é diminuir seu impacto. Surgindo como uma figura misteriosa, ele criou uma tensão quase insuportável quando prolongou o silêncio antes de começar um discurso em tom baixo e voz profunda, sem ler. Os delegados vivenciaram coletivamente uma experiência inesperada e hipnótica. Prebisch apresentou conceitos econômicos complexos sem cair no jargão, envolvendo a plateia enquanto desenvolvia o tema da independência regional. Ninguém ficou impassÃvel. Seu Manifesto abalou os representantes mais graduados dos Estados Unidos e da ONU, que perceberam sua força. O marco estruturalista apresentava uma nova abordagem ao desenvolvimento. Os especialistas perceberam que um novo debate havia sido lançado."
            Edgar J. Dosman
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