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Estética da desaparição
Paul Virilio
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"O homem deslumbrado consigo mesmo fabrica seu duplo, seu espectro inteligente, e confia o entesouramento de seu saber a um reflexo. Nesse ponto, continuamos no campo da ilusão cinemática, da miragem da informação precipitada na tela do computador. O que se oferece é justamente informação, mas não sensação; é apatheia, essa impassibilidade cientÃfica que faz com que, quanto mais informado é o homem, mais se estenda ao redor dele o deserto do mundo e mais a repetição da informação (já sabida) desregule os estÃmulos da observação, captando-os de forma automática e sumamente veloz não só na memória (luz interior), mas, antes de tudo, no olhar."
Paul Virilio Paul Virilio talvez seja o autor que pensou mais radicalmente, e de forma pioneira, as transformações provocadas pela velocidade da técnica, sobretudo nas últimas décadas do século XX e no inÃcio do XXI. Suas audaciosas teorias partem de uma constatação que ainda é polêmica, embora tenha se tornado cada vez mais evidente: a proliferação das mÃdias audiovisuais e interativas subverteu as vivências temporais, contribuindo para comprimir as durações, desmaterializar o espaço e expropriar certas zonas da experiência subjetiva. Neste livro, publicado originalmente em 1980, o autor antecipa de forma visionária muitas das discussões que logo se tornariam centrais para compreender o que mudou nos modos de vida da atual sociedade tecnologizada. Entre outros fenômenos que marcam o espÃrito desta época, Virilio examina o paradoxo entre velocidade e inércia; as transformações das experiências em comum, suscitadas pelo compartilhamento compulsório de informações e pelos monitoramentos contÃnuos; as implicações da virtualização que acompanhou o desenvolvimento da vida on-line, bem como as novas formas de isolamento e dispersão que vieram junto com a expansão das redes digitais e a multiplicação das telas. Partindo do exemplo da picnolepsia – um estado de "ausência" no qual ocorre uma suspensão da percepção ordinária experimentada como uma pausa entre consciência e inconsciência –, o autor analisa a captura da frequência temporal subjetiva pelos dispositivos cinemáticos. Essa interrupção da vigÃlia -- que, em certo sentido, é comparável a outros "tempos mortos", como o sono e a contemplação – foi considerada um "pequeno mal" pela fisiologia, ou seja, um obstáculo à s demandas capitalistas por uma percepção sempre alerta e produtiva. Por isso, segundo Virilio, esse modo disruptivo ou "inútil" de experimentar o tempo foi modulado por um arsenal de máquinas da visão que tenderam a canalizar essa breve descontinuidade por meio de velozes efeitos de montagem, tornando cada vez mais obsoletos os exercÃcios do olhar contemplativo e da vida imaginativa. Essa logÃstica de percepção tem acelerado os ritmos e racionalizado o que é subjetivo, como parte de um processo maior de homogeneização sensorial, generalizando assim um tipo de temporalidade em que a interioridade psicológica é continuamente neutralizada. Nessa tentativa de regularizar os biorritmos com vistas a torná-los compatÃveis com as novas exigências sociais, começou a ser ofertado um crescente menu de próteses – desde os dispositivos da ubiquidade até os que permitem alterações metabólicas, ajustes no humor e turbinações neurocognitivas. Esta edição tem prefácio de Jonathan Crary, que adverte algo primordial: numa sociedade "sem pausas nem descansos", vivemos "num meio de funcionamento contÃnuo de incontáveis operações que são efetivamente incessantes". Nesse quadro, que já foi considerado distópico, Estética da desaparição anuncia a iminência de uma possÃvel catástrofe, cada vez mais avançada, em cujo horizonte se vislumbram tanto o esgotamento dos recursos naturais como o colapso dos "recursos humanos".
Paul Virilio teve o mérito de detectar muitas dessas tendências que pautam a atual "sociedade de controle" quando elas estavam sendo gestadas. Este livro, um dos clássicos que compõem sua obra, é prova disso. Por isso não surpreende que a leitura destas páginas alarmantes tenha um objetivo fundamental e cada vez mais urgente, explicitado pelo próprio pensador da velocidade: alertar para o "papel polÃtico do parar".
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